*Por Cris Kerr

Em 2018, o movimento #TimesUp trouxe à tona, tanto na imprensa quanto nas redes sociais, diversas denúncias de assédio moral e sexual sofridas por pessoas de Hollywood. Esses depoimentos demonstraram que nem mesmo ambientes de trabalho glamorosos são isentos de comportamentos tóxicos e, infelizmente, esse tipo de agressão pode acontecer em qualquer lugar, sendo nosso papel proteger as vítimas, punir as pessoas agressoras e trabalhar na construção de um cenário mais saudável dentro e fora das empresas.

Como a lei pode nos proteger? No Brasil, a legislação relacionada ao assédio sexual e moral no trabalho é contemplada principalmente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e em outras normas legais. Vale destacar que, em 2018, a Lei nº 13.718/2018 alterou o Código Penal Brasileiro para incluir o crime de importação sexual, que trata de casos de assédio sexual em locais públicos, mas não se restringe especificamente ao ambiente de trabalho. É sempre importante consultar um advogado especialista em direito do trabalho para obter as orientações corretas antes de levar uma denúncia para a justiça.

Como mulher, infelizmente, já estive em situações em que sofri tanto assédio moral quanto sexual. A ficha só caiu anos mais tarde. Normalmente é assim, não é mesmo? Algumas dessas experiências eu compartilhei no meu livro “Viés Inconsciente” e sei que muitos de vocês que estão lendo também só perceberam isso olhando para o passado. A boa notícia é que estamos mais atentos e isso vem mudando.

Há 15 anos, quando fundei a CKZ Diversidade, pouco se dialogava sobre assédio nas empresas. Hoje em dia já existem mais conversas e ações de conscientização, o Ministério Público do Trabalho apresenta um crescimento vertiginoso no número de denúncias de assédio moral e sexual. Somente com a segurança podemos reverter esse cenário para as mulheres e quem sabe para nossas filhas ou netas. Eu realmente espero que minha filha não passe por isso nunca. É por ela e por tantos outros jovens que bato tanto na tecla de conscientização.

Trazendo um pouco da realidade e números, um relatório divulgado pelo MPT mostrou que no primeiro semestre de 2023 foram registradas 8.458 denúncias em todo o país. O número impressionante quando percebemos que ele é quase o valor das denúncias que ocorreram durante o ano de 2022 inteiro. Acredito que esse aumento pode ser atribuído ao fato de que muitas empresas têm trabalhado na conscientização, principalmente após a lei que entrou em vigor em 2023, que indica que empresas que têm mais de 20 pessoas concordam com suas comissões de prevenção de acidentes (Cipas) , a responsabilidade de incluir o tema combate ao assédio em suas ações.

E agora as vítimas estão se sentindo mais seguras para denunciarem, ao contrário do que acontecia há alguns anos. No entanto, ainda há muito a ser feito. No cenário ideal, toda pessoa deveria ter direito à dignidade, segurança física e emocional resguardadas dentro do ambiente profissional.

É importante estarmos alertas para identificar possíveis situações de assédio moral e sexual. Suas consequências negativas não se limitam às vítimas, mas acabam interferindo diretamente no bom funcionamento da empresa, com redução da produtividade, alta rotatividade, aumento de erros e acidentes, clima desfavorável para o trabalho e exposição negativa da marca. Caso não tenha ficado explícito, ninguém sai ganhando: todas as pessoas são prejudicadas quando validamos um ambiente tóxico e desrespeitoso.

Mas o que é assédio moral? É uma forma de comportamento abusivo, hostil, repetitivo e persistente que envolve ações, palavras, gestos ou atitudes que têm o objetivo de humilhar, estranhar, ameaçar, isolar ou desvalorizar uma pessoa no local de trabalho. Essas ações podem ser cometidas por colegas, superiores hierárquicos ou, até mesmo, pessoas subordinadas. Muitas vezes disfarçadas de “mas é só uma brincadeirinha” que, na verdade, não tem graça nenhuma.

Já o assédio sexual é todo e qualquer comportamento indesejado e inadequado de natureza sexual. Envolver avanços não solicitados, propostas sexuais, comentários, gestos, toques ou qualquer outra forma de conduta sexualmente sugestiva que crie um ambiente intimidante, hostil ou ofensivo para a vítima.

Em ambos os casos, uma pessoa agressora busca estranhos às suas vítimas. Elas contam com esse constrangimento para que o assediado se sinta envergonhado e desanimado a tomar atitudes diante da situação. Geralmente os alvos são pessoas que pertencem a algum grupo minorizado, como mulheres, pessoas negras, obesas, LGBTQIAPN+, Pessoas com Deficiência, entre outros.

Minha maior inspiração para escrever este artigo foi meu novo livro “Cultura organizacional livre de assédio”, que lançarei em outubro durante a 12ª Edição do Super Fórum Diversidade e Inclusão. Esta é a minha segunda publicação e estou muito orgulhoso de todo o material que consegui reunir. Sei o quão importante é aprender e educar sobre o tema, afinal, a cultura organizacional foi muito permissiva com esses comportamentos por longos anos.

Mesmo que as pessoas consigam observar um avanço significativo quando o assunto é diversidade, inclusão, equidade e pertencimento, ainda há pouca compreensão a respeito do assédio, suas formas, perfil da pessoa agressora e, principalmente, dos efeitos colaterais causados ​​às vítimas. Elas podem sofrer com traumas e doenças ao longo de toda a vida, como: ansiedade, depressão, doenças autoimunes, síndrome do pânico, hipertensão, burnout, entre outras ainda mais graves.

E por mais que não sejamos o alvo, precisamos agir, observar comportamentos inadequados e denunciar, além de oferecer suporte para as vítimas. Um alerta: entendam o que acontece em áreas com alta rotatividade. Estar de olho nesses pequenos detalhes pode fazer muita diferença.

As empresas precisam assumir a responsabilidade de criar ambientes seguros, fornecer canais de denúncia anônimos e externos e aplicar punições rigorosas. Minha esperança não é apenas que as pessoas se sintam mais confiantes em denunciar situações de assédio, mas também que possamos educar como sociedade, indo além do âmbito corporativo, para que um dia – o mais breve possível – possamos encerrar esse vergonhoso capítulo de nosso história.

* Cris Kerr é CEO da CKZ Diversidade, consultoria especializada com 15 anos de atuação em Inclusão & Diversidade, escritora, professora da Fundação Dom Cabral, mestra em Sustentabilidade pela FGV. Foi pioneira no tema D&I com o lançamento de 2 grandes Fóruns: em 2010 do Super Fórum Diversidade & Inclusão, que está indo para a 12ª edição, e em 2023 do 1º Fórum focado em dialogar com os homens: Fórum Agentes da Transformação – Conversando com os homens sobre o DIEP. A consultoria customizada e os Fóruns têm como propósito apoiar as corporações a construir ambientes mais diversos e inclusivos, tornando-os mais inovadores e sustentáveis.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.