No momento em que se discute o fim da jornada de trabalho 6×1 no Brasil, especialistas da Korn Ferry questionam por que horas longas e cansativas são mais uma vez uma expectativa em tecnologia e finanças — e podem em breve ser em outros campos
Primeiro, os líderes estavam pedindo às pessoas que voltassem ao escritório alguns dias por semana. Em seguida, eles se moveram para fazê-los voltar em tempo integral. Agora, alguns querem trabalhadores em suas mesas por mais de 40 horas por semana.
No mais recente sinal de que os líderes estão superando o trabalho remoto, um grande empresário do setor de tecnologia divulgou publicamente um memorando sugerindo que os funcionários trabalhem no escritório todos os dias da semana e que 60 horas semanais eram o “ponto ideal” para a produtividade. Uma semana antes, o CEO de um grande banco de investimento havia sugerido que os funcionários que não quisessem ir ao escritório em tempo integral procurassem outro emprego. Especialistas dizem que o que está acontecendo é maior do que apenas o pêndulo balançando a favor dos empregadores: os líderes de certos setores estão tentando recuperar suas culturas. “Em alguns segmentos, trabalhar longas horas e queimar o óleo da meia-noite é um distintivo de honra”, diz Flo Falayi, sócio sênior de clientes na prática de Liderança e Desenvolvimento Executivo da Korn Ferry.
Com certeza, muitos especialistas em local de trabalho dizem que exigir horas tão longas é um retrocesso a eras passadas em que poucas empresas e trabalhadores reconheciam, muito menos abraçavam, o conceito de equilíbrio entre vida profissional e pessoal. Hoje, muitas empresas incentivam fortemente as pessoas a manter jornadas de trabalho de oito horas, e muitos trabalhadores, remotos ou no escritório, protegem zelosamente sua vida fora do trabalho. “A maioria das pessoas precisa de tempo para redefinir e recarregar mental e fisicamente”, diz Renee Whalen, líder de Mercado Consumidor da Korn Ferry na América do Norte.
A tecnologia e os serviços financeiros estão entre os setores em que longas horas foram não são apenas incentivadas, mas também recompensadas. A imagem de um jovem programador passando a noite toda em uma mesa cheia de latas vazias de Red Bull é uma parte arraigada da cultura pop, por exemplo. E para os banqueiros juniores, apesar dos esforços para limitar o trabalho de fim de semana ou os dias de folga, as semanas de trabalho de 100 horas ainda são um rito de passagem.
Chad Astmann, co-chefe de gestão de investimentos globais da Korn Ferry, diz que a maioria das pessoas que entram nesses setores sabe no que está se metendo — e até mesmo o abraça. Esses trabalhadores, diz ele, trabalham voluntariamente longas horas e não priorizam o equilíbrio entre vida profissional e pessoal porque seus cargos oferecem “criação significativa de riqueza muito mais rápida e mais cedo do que a maioria das outras carreiras”. Para os líderes desses setores, essa ambição cria um ciclo virtuoso: os superdotados competem para trabalhar por mais tempo, enquanto os de baixo desempenho acabam saindo.
Trabalhar 60 horas ou mais por semana também é comum em outros setores, entre eles saúde e serviços profissionais. Mas nesses setores, longas horas são menos um significante cultural ou uma maneira de progredir do que um reflexo do desequilíbrio do trabalho ou da necessidade de reservar horas faturáveis. No outro extremo do espectro, alguns especialistas pensam — e estudos mostram — que longas horas podem levar ao esgotamento e diminuir a produtividade. “A ideia de que semanas de trabalho de 60 horas são um ‘ponto ideal’ para a produtividade é um mito perigoso”, diz Falayi, da Korn Ferry. “A pesquisa mostra consistentemente que, após 50 a 55 horas, a produtividade diminui drasticamente.”
Para Greg Button, presidente de serviços globais de saúde da Korn Ferry, obter o máximo de produtividade das pessoas não é uma questão de horas trabalhadas — é uma questão de engajamento. “Sessenta horas no escritório acorrentado à mesa não equivale necessariamente a produtividade”, diz ele. Se os líderes querem que os trabalhadores trabalhem mais horas, ele aconselha que eles se concentrem em aumentar o engajamento e a motivação intrínseca, criando um senso de propósito e comunidade compartilhados. “Se você criar isso, as pessoas serão energizadas por seu trabalho e serão mais produtivas”, diz ele.