Restrição imposta pela Wellhub é alvo de investigação pelo CADE e abre a discussão sobre medidas de proteção do mercado
O Brasil é o terceiro maior mercado em academias, segundo dados da International Health, Racquet & Sportsclub Association (IHRSA). Porém, nos últimos anos, as empresas do segmento fitness têm sido alvo de discussões no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). A autarquia do governo multou em R$ 3 milhões a rede Wellhub (antiga Gympass) por supostas práticas de abuso de poder econômico. Bruno Rodrigues, CEO da GoGood, HRTech referência em soluções de bem-estar corporativo, explica que a medida é necessária para proteger o mercado, que é formado majoritariamente por pequenos negócios. “Principalmente fora dos grandes centros, mais de 90% das academias são pequenos e microempreendimentos. Nos últimos anos, essas academias sofreram pressão pela redução do ticket médio causada por grandes redes (chamadas low-cost) e, agora, enfrentam a crescente exigência de cláusulas de exclusividade por parte do Wellhub, que visa impedir que elas se relacionem com outros agregadores (como GoGood, Totalpass e outros)”, explica Bruno.
Dados do 3º Panorama Setorial Fitness Brasil mostram que os agregadores são utilizados por quase 70% das academias entrevistadas na pesquisa. O levantamento mostrou que participar dessas redes representa uma fatia importante do faturamento: 24%. Outro dado do Panorama, que reforça a preocupação do executivo sobre a necessidade de medidas de proteção de mercado, é que o Wellhub responde por mais da metade dos estabelecimentos que utilizam agregadores para atrair novos alunos.
Entenda a polêmica
O modelo de negócio dos agregadores, como Wellhub, GoGood, TotalPass, opera conectando academias aos departamentos de Recursos Humanos das empresas, utilizando a qualidade das unidades como principal critério de seleção. Em algumas cidades, poucas academias detêm essa percepção de valor, e a exclusividade com essas redes permite que os agregadores controlem preços, repasses e planos, consolidando monopólios regionais. Assim, eles determinam os preços dos serviços para os RHs, os valores repassados às academias e os preços dos planos para os usuários, tudo isso dentro dos limites estabelecidos pelo acordo entre a Wellhub e o CADE. “Há mais de dois anos, essa estrutura favorece a criação de monopólios regionais, beneficiando significativamente a Wellhub, empresa com maior capacidade financeira no setor, que usa sua posição para dominar mercados, porque, apesar de menos de 20% dos parceiros serem exclusivos, forma-se um domínio regional. Nos últimos meses, houve um aumento repentino nos pedidos de cancelamento de parceria e também um aumento considerável de academias que reportaram estar impossibilitadas de fechar parcerias com outros agregadores devido a contratos de exclusividade assinados recentemente. Esse movimento foi detectado de maneira consistente em várias regiões do Brasil. Na GoGood, por exemplo, tivemos dezenas de baixas. Todos os pedidos justificavam a exclusividade exigida pelo Wellhub, que, segundo elas, considerava incompatível a manutenção de acordos comerciais com GoGood ou Totalpass”, revela.
O executivo explica que a exclusividade com o Wellhub, apesar de oferecer uma vantagem financeira imediata, traz riscos aos pequenos negócios fitness a longo prazo. Isso porque grande parte desse suposto benefício está na garantia de um fluxo futuro já previsto para as academias, além de uma eventual antecipação financeira de valores também futuros e certos. Com a exclusividade, as academias ficam vulneráveis e assumem um alto risco de dependência exclusiva de um fornecedor, limitando as oportunidades de receita incremental que poderiam obter ao manter parcerias diversificadas — algo essencial para o equilíbrio financeiro dos negócios.
Bruno destaca que a blindagem de mercado é prática negativa e traz o exemplo do iFood que, em posição de monopólio em diversos mercados relevantes do Brasil, fez com que os custos de utilização dos agregadores se tornassem proibitivos para muitos restaurantes, especialmente micro e pequenas empresas. Como consequência, empresas de restaurantes tiveram que parar de operar no país ou focar em mercados menores e menos competitivos. Um caso notório foi o do Uber Eats, que, apesar de grandes aportes de capital, não conseguiu superar as barreiras concorrenciais criadas pelo iFood, que utilizou sua posição de mercado para solidificar sua liderança. “Essa dinâmica de uma empresa agregadora de serviços buscar dominar o mercado por meio de cláusulas de exclusividade é altamente danosa para os negócios, especialmente os menores. Caso a empreitada do Wellhub de buscar exclusividade tenha sucesso, teremos academias dependentes de uma única empresa, que terá uma posição ainda mais soberana de negociação. Em última instância, esse ciclo de monopólio impactará os preços que as pessoas pagam pelos serviços das academias, tamanha a força do agregador sobre seus parceiros”, avalia.