Organizações deverão adotar medidas para cuidar da saúde mental dos colaboradores e implementar ações para evitar casos de depressão, burnout, entre outros transtornos 

Os transtornos mentais são a terceira maior causa de afastamentos entre os trabalhadores segurados no Brasil, representando 38% de todas as licenças concedidas pelo INSS em 2023. Entre 2020 e 2022, houve um aumento significativo nesses casos, com crescimento de 30% nos afastamentos por motivos como estresse, ansiedade e burnout. Os dados da Previdência Social evidenciam a importância do cuidado com a saúde mental no ambiente de trabalho, que será prioridade em 2025 devido aos novos critérios da NR-1.

A atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que entra em vigor em maio deste ano, exige que empresas incluam a avaliação de riscos psicossociais nos processos de Gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). As empresas deverão identificar e gerenciar riscos psicossociais e implementar planos de ação. Eles devem incluir a reorganização do trabalho para reduzir sobrecarga e melhorar a qualidade de vida dos colaboradores; a promoção de um ambiente saudável, com foco em relações interpessoais e bem-estar; e o monitoramento contínuo para avaliar a eficácia das medidas.

Além disso, a norma exige documentação detalhada e avaliações regulares para garantir conformidade. O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) realizará fiscalizações em setores com alta incidência de doenças mentais, como teleatendimento, bancos e saúde, analisando organização do trabalho e dados sobre afastamentos.

O Grupo Delphi, especializado em Medicina do Trabalho, oferece soluções especializadas para apoiar empresas na adaptação às exigências da NR-1, com serviços que incluem: Identificação de riscos psicossociais e promoção de ambientes saudáveis; diagnósticos contínuos, assegurando a conformidade e melhorias constantes; e documentação rigorosa, com plataformas digitais e relatórios personalizados, que facilitam auditorias e inspeções. “Utilizamos a metodologia internacional Copenhagen Psychosocial Questionnaire (COPSOQ II), juntamente com o Protocolo de Avaliação dos Riscos Psicossociais (Proart). O diagnóstico é realizado simultaneamente aos exames periódicos dos trabalhadores. Ao final do período anual do Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional (PCMSO) será feita uma avaliação ocupacional abrangente da empresa. Essa análise resultará em um relatório analítico dos riscos psicossociais, acompanhado de sugestões de planos de ação para mitigar esses riscos”, explica o diretor do Grupo Delphi, David Gurevitz.

Riscos psicossociais envolvem fatores relacionados à organização e gestão do trabalho e ao contexto social que podem causar danos psicológicos, sociais e físicos. Exemplos incluem o estresse ocupacional, o assédio moral e sexual e a falta de autonomia nas atividades. Um ambiente de trabalho negativo, com exigências conflitantes ou expectativas irreais, jornadas excessivas e horas extras não pagas amplifica esses riscos. Além disso, a produtividade é afetada, com aumento de absenteísmo e rotatividade.

Impacto estratégico e diferencial competitivo

Michel Cabral, CEO da Vixting, destaca a importância da nova lei. “A Lei 14.831 coloca a saúde mental no centro da estratégia organizacional, estimulando mudanças estruturais que impactam diretamente na produtividade e na retenção de talentos. Para as empresas, é uma oportunidade de transformar o ambiente de trabalho e se posicionar como líder em bem-estar e inovação”, comenta.

A certificação também promete beneficiar as organizações ao reduzir custos associados ao absenteísmo, melhorar a satisfação dos colaboradores e fortalecer sua imagem no mercado.

Alguns especialistas, porém, apontam que a lei, apesar de inovadora, apresenta lacunas significativas, pois as ações sugeridas no texto atual concentram-se em abordagens individuais, como treinamentos e programas de incentivo, sem atuar diretamente sobre as causas estruturais do sofrimento psíquico no ambiente de trabalho. “Há pontos sensíveis, obviamente, que precisam ser esclarecidos, como a ação em ambientes hostis e até mesmo a criticada ausência de representantes dos trabalhadores nas discussões iniciais da lei, o que levanta dúvidas sobre sua eficácia prática para muitos, mas, para as empresas será necessário se adequar a essa realidade”, reforça Cabral.

Regulamentação e adequação

A legislação foi publicada no Diário Oficial da União em março de 2024 e está em fase de regulamentação, com regras finais previstas para serem anunciadas ainda este ano. As empresas têm até março de 2025 para se adequarem às exigências e submeterem suas candidaturas à comissão avaliadora.

Burnout é reconhecido como doença do trabalho no Brasil

A CID (Classificação Internacional de Doenças) classificou a síndrome de Burnout, caracterizada por esgotamento físico e mental no ambiente de trabalho, como doença ocupacional em 2025. A informação foi confirmada nesta segunda-feira (6) pelo próprio órgão.

Agora, os funcionários brasileiros poderão ser diagnosticados com o código QD85. A mudança pode trazer mais transparência no tratamento da doença, que, desde 2022, é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

A síndrome de Burnout afeta milhões de pessoas em todo o mundo e, no Brasil, tem apresentado crescimento constante. Segundo um levantamento do INSS, a porcentagem de afastamentos de trabalho por conta de Burnout subiu 1.000% em 9 anos. Só em 2023, 421 pessoas foram afastadas, contra 41 em 2014. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), estima-se que cerca de 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido à depressão e à ansiedade, custando à economia global quase US$ 1 trilhão.

Caracterizada por sintomas como exaustão, sensação de incompetência e despersonalização, a condição pode comprometer tanto a saúde do trabalhador quanto sua produtividade. No entanto, medidas preventivas podem ser adotadas para evitar o desenvolvimento desse quadro.

Uma das principais recomendações é estabelecer limites claros entre a vida profissional e pessoal. Reservar momentos para lazer, prática de exercícios físicos e descanso adequado é essencial para preservar o equilíbrio mental. Além disso, adotar uma rotina organizada, priorizando tarefas e evitando a sobrecarga, ajuda a reduzir o estresse no dia a dia.

O doutor Marco Aurélio Bussacarini, especialista em Medicina Ocupacional pela USP e CEO fundador da Aventus Ocupacional — empresa que realiza gestão em saúde e segurança ocupacional — explica que a tecnologia é uma das responsáveis pela deterioração da saúde mental: “Os trabalhadores são suscetíveis a problemas de saúde mental em praticamente todos os espaços sociais que frequentam por causa da combinação de um mercado altamente competitivo, uma economia ruim, a constante comparação nas redes sociais, a falta de uma separação clara entre vida pessoal e profissional e, em alguns casos, até mesmo a dificuldade de se relacionar. Tudo isso, misturado, gera aumento da ansiedade, do estresse e uma pressão constante por desempenho”, argumenta.

Quais os sinais de alerta para questões mentais no trabalho?

Diversas situações podem estar relacionadas a questões mentais no trabalho, como assédio moral ou sexual, falta de reconhecimento de um bom trabalho e desrespeito no ambiente profissional, que podem acarretar Burnout.
Nesse sentido, o doutor Marco Aurélio Bussacarini destaca que um ou mais dos seguintes sintomas podem aparecer em quem está sofrendo de Burnout:

• Cansaço contínuo, físico e mental;
• Distanciamento do trabalho e das relações sociais;
• Irritabilidade;
• Dores de cabeça e no corpo;
• Baixa autoestima;
• Pensamentos negativos constantes;
• Desmotivação.

“Estes são sintomas associados ao Burnout, mas que podem estar correlacionados a outras questões que levam à piora da saúde mental. Um profissional que sofre com sobrecarga no trabalho ou que tem incertezas financeiras sobre o futuro pode acabar desenvolvendo problemas psíquicos e psiquiátricos”, destaca.

O especialista ressalta que todos esses sinais devem servir de alerta para que familiares e amigos intervenham e ajudem na busca por cuidados profissionais. Ele lembra que, quanto mais cedo uma doença é descoberta, mais rápido ela tende a ser tratada.

Como as empresas podem melhorar a saúde mental dos colaboradores

Empresas que investem em iniciativas como pausas regulares, práticas de bem-estar e acesso a apoio psicológico contribuem diretamente para a saúde mental de seus colaboradores. Segundo o Dr. Marco, as empresas também devem promover transformações no ambiente de trabalho, especialmente para os trabalhadores mais jovens. “De maneira pejorativa, alguns dizem que as pessoas que estão entrando no mercado de trabalho são sensíveis no ambiente corporativo ou que ‘não gostam de trabalhar’. Na verdade, os funcionários mais jovens, principalmente da geração Z, encaram o trabalho de forma diferente e pensam que a atuação profissional serve como uma ferramenta de transformação social e do mundo, e não apenas um meio de acumular riqueza”, destaca o doutor Marco Aurélio Bussacarini.

Para atender às expectativas de flexibilidade e transparência dos mais jovens, as empresas precisam implementar programas e ações claras com foco na saúde emocional de seus colaboradores.

O especialista em Medicina Ocupacional afirma que as companhias devem adotar políticas de horário de trabalho e período de descanso, estabelecer uma cultura de feedback e reconhecimento, combater a cultura de produtividade excessiva e tóxica e promover a diversidade e inclusão. “Também é essencial que as empresas tenham programas bem estruturados que ofereçam apoio à saúde mental, incluindo planos de saúde, workshops e debates sobre a importância da terapia e sessões de acolhimento”, enfatiza.

Estratégias para melhorar a saúde mental no ambiente de trabalho

Para apoiar gestores na promoção de um ambiente mais saudável, o Dr. Marco apresenta as seguintes estratégias de prevenção para combater a deterioração da saúde mental dos colaboradores:

• Treinar lideranças e gestores para reconhecer sinais de alerta de saúde mental;
• Criar um ambiente de suporte, desenvolvendo uma cultura organizacional que promova abertura e aceitação de discussões sobre saúde mental;
• Oferecer acesso a serviços de saúde mental, como terapia e aconselhamento, por meio de Programas de Assistência ao Empregado (PAE);
• Promover atividades de redução de estresse, como meditação, yoga e ginástica laboral;
• Incluir o apoio psicológico nos planos de resposta a crises;
• Criar e distribuir materiais informativos sobre saúde mental em e-mails, redes sociais e murais;
• Oferecer treinamento em primeiros socorros psicológicos;
• Criar espaços seguros para conversas abertas sobre saúde mental, sem julgamento;
• Implementar pausas no trabalho e dias de folga para preservar a saúde mental;
• Incentivar estilos de vida saudáveis por meio de desafios de bem-estar, seminários sobre nutrição e atividades físicas.

Segundo a CEO e fundadora da CKZ Diversidade, Cris Kerr, um artigo recente da Harvard Business Review mostra que outras causas de burnout podem incluir um ambiente de trabalho tóxico ou uma cultura corporativa que não se alinha aos valores da pessoa, ou ainda questões relacionadas a diferenças entre a descrição do cargo e o que é exigido na prática. Assim, o colaborador acaba por enfrentar uma sensação de não ter reconhecimento e de não pertencer, ou de ver os próprios talentos subaproveitados, contribuindo para a deterioração da saúde mental. “Também há uma dimensão cultural importante em jogo: o culto ao êxito, a obrigatoriedade de ser melhor o tempo todo, a ideia de que não há recompensa sem sacrifício e a noção de que ‘a roda não pode parar de girar’. A glamourização do burnout faz com que as pessoas admitam o problema com facilidade, desde que faça referência ao excesso de trabalho, mas tenham vergonha de admitir quadros de depressão e ansiedade”, acrescenta Cris.

No Brasil, o burnout já é endêmico. A pesquisa da ISMA-BR (International Stress Management Association) revelou que 30% das pessoas trabalhadoras brasileiras sofrem da síndrome, sendo que existe ainda outro percentual não diagnosticado. Conforme aponta o Ministério da Previdência Social, em 2023, foram concedidos 38% mais benefícios por incapacidade devido a transtornos mentais do que em relação a 2022. “Felizmente, o alerta para o burnout tem ganhado força e espaço dentro das empresas, um dos poucos legados positivos da pandemia de Covid-19. Se antes a saúde nas empresas era sinônimo de ginástica laboral e check-ups periódicos, hoje o bem-estar mental e a felicidade foram incluídos na pauta”, completa a CEO da CKZ Diversidade. Um estudo da ADP Research Institute realizado em 17 países mostrou ainda que as pessoas têm se sentido mais confortáveis para falar sobre o assunto, sem temer o julgamento. No Brasil, 63% dos 1.412 trabalhadores afirmaram que sentem poder ter conversas sinceras sobre o burnout.

Cris Kerr reforça o dado da OMS de que a cada dólar investido na saúde mental das pessoas de uma empresa pode haver um retorno de até 4 dólares e defende que o cuidado com a saúde mental e emocional deve ser uma prioridade, assim como a segurança nas organizações. “Da mesma maneira que muitas companhias têm os EPI (Equipamento de Proteção Individual), entre os quais os capacetes e botas, precisamos criar os chamados EPIs emocionais. São capacitações e programas para acolher quem não está se sentindo bem e para garantir o bem-estar dos times”, diz.

Para a especialista em D&I, promover espaços seguros para momentos de crise e buscar ativamente entender como as pessoas estão se sentindo são vias de mão dupla. A produtividade e entrega são resultados de segurança psicológica e de um estado de saúde mental estável, sendo a cultura corporativa a responsável pela valorização dos colaboradores e pela criação de espaços de trabalho saudáveis para lidar com transtornos mentais e os momentos agudos de sofrimento psicológico.

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