38% nos afastamentos nas empresas são por motivos relacionados à saúde mental, aponta o Ministério da Previdência Social
Com o crescente reconhecimento da importância da saúde mental no ambiente de trabalho, diversas empresas estão ampliando suas iniciativas, além do tradicional Setembro Amarelo. Segundo o Ministério da Previdência Social brasileiro, houve um crescimento de 38% nos afastamentos por motivos de saúde mental em 2023, evidenciando a necessidade urgente de uma abordagem mais robusta para o bem-estar no ambiente de trabalho.
O aumento significativo pode ser atribuído a vários fatores, como o impacto contínuo da pandemia, as rápidas mudanças no local de atividade profissional, e a pressão constante sobre os profissionais para se adaptarem aos novos modelos.
Mais do que apenas práticas pontuais durante o mês da conscientização ao suicídio, líderes passam a enxergar a importância de integrá-las de forma contínua e estratégica em suas organizações. Esses esforços buscam criar uma cultura corporativa em que o cuidado com o bem-estar dos colaboradores é uma prioridade constante, refletindo um compromisso genuíno com a qualidade de vida no trabalho.
Segundo Carine Roos, fundadora e CEO da Newa, consultoria de impacto social, “é importante desenvolver um espaço verdadeiramente inclusivo, que valorize o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal, e incentive as pessoas a reservarem tempo para atividades fora do trabalho e para o relaxamento. A liderança deve servir como exemplo, mostrando a importância de descansar e tirar férias. Essas práticas, se bem implementadas na organização, tendem a refletir nos times e a criar ambientes de trabalho mais saudáveis”.
De acordo com dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt), aproximadamente 30% dos trabalhadores brasileiros sofrem com burnout, também conhecida como a síndrome do esgotamento profissional. Ela tem características como exaustão emocional, despersonalização e diminuição do desempenho. Em 2022, foi incluída na lista de doenças ocupacionais reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Diante dessa realidade, as lideranças são cada vez mais cobradas sobre suas estratégias para promover o bem-estar dos colaboradores, indo além de apenas de cumprir o calendário de campanhas como o Setembro Amarelo, mas adotando uma postura proativa e mantendo o ambiente de trabalho saudável e sustentável ao longo de todo o ano. “A flexibilidade de horários, por exemplo, permite que nossa equipe gerencie melhor o equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Além disso, subsidiamos integralmente até 4 sessões de terapia por mês para nossos colaboradores e parcialmente para os familiares, garantindo que tenham suporte de qualidade sempre que necessário. Essas sessões são complementadas por ações de psicoeducação sobre temas como gestão de estresse, conduzidos pelo nosso time técnico. E ao longo do ano, também avaliamos constantemente a eficácia das nossas práticas por meio de pesquisas de satisfação e feedbacks diretos, que é o que oferecemos normalmente aos nossos clientes. Queremos que o time também tenha isso dentro de casa”, comenta Tatiana Pimenta, CEO da Vittude, referência no desenvolvimento e gestão estratégica de programas de saúde mental para empresas.
Já Ana Júlia Kiss, fundadora e CEO da Humora, startup que combina produtos à base de cannabis e fitoterápicos para bem-estar, explica como esse processo deve estar presente desde o onboarding. “Todo colaborador que entra na Humora recebe uma consulta com o nosso médico e começa a fazer o uso dos nossos produtos, que são para o bem-estar e para o bom humor. Além desse tratamento, também temos em prática duas ferramentas chamadas Check-In e Check-Out, que são para entender como as pessoas chegam na segunda-feira para o trabalho e como elas saem na sexta-feira para o fim de semana. Às vezes alguém perdeu algum ente querido ou só está mais sensível, e com esse mecanismo podemos oferecer acolhimento”.
Assim, é evidente que a promoção do bem-estar no ambiente corporativo deve ser encarada como um compromisso contínuo e integrado à cultura das empresas, e não como uma ação pontual. As companhias que desejam se destacar e manter uma força de trabalho engajada e produtiva precisam ir além das ações pontuais, implementando políticas integradas e sustentáveis que criem um ambiente saudável ao longo de todo o ano. Isso inclui desde a oferta de suporte psicológico constante, até a promoção de um equilíbrio entre vida pessoal e profissional, passando por iniciativas de conscientização e capacitação para todos os níveis da organização.
Mente cheia é oficina do esgotamento mental
Um estudo realizado pela Pipo Saúde, corretora de saúde que auxilia departamentos de RH, revelou que 48% dos entrevistados estão em risco de problemas de saúde psicológica, 44% sofrem de insônia, 66% enfrentam sedentarismo e 60% estão com sobrepeso devido à dificuldade de adaptação ao novo ritmo de expediente pós-pandemia. “A velha ideia de romantizar o workaholic, de que quanto mais você rala, mais chances terá de receber reconhecimento, não respeitar os próprios limites (ou nem reconhecê-los) também contribui para exaustão, mas é injusto atribuir responsabilidades individuais quando o problema é sistêmico e quando o medo de perder a fonte de renda é maior do que a coragem de se preservar. Por outro lado, esperar que o sistema mude, no curto prazo, é quase ingênuo da nossa parte, o que nos traz de volta às esferas mais particulares”, comenta a psicanalista e Presidente do Ipefem (Instituto de Pesquisa e Estudos do Feminino e das Existências Múltiplas), Ana Tomazelli.
Em lugares onde a produtividade e a competitividade são priorizadas, o equilíbrio entre vida pessoal e profissional é frequentemente comprometido, levando ao aumento de casos de ansiedade, depressão e burnout. No Brasil, a Isma-BR (International Stress Management Association) estima que 72% dos trabalhadores economicamente ativos lidam com estresse relacionado à função, e 32% enfrentam burnout.
Muitos profissionais lidam com a pressão de atingir metas, enquanto outros enfrentam a sobrecarga de e-mails, relatórios e demandas crescentes. “Essa pressão contínua não apenas reduz a qualidade de vida dos trabalhadores, mas também impacta diretamente a produtividade e a eficiência das equipes”, destaca o especialista em Desenvolvimento de Lideranças e Saúde Mental no trabalho, Renato Herrmann. “Em muitos casos, a resposta a essas demandas excessivas é o esgotamento completo, resultando em um ciclo vicioso onde o desempenho cai, aumentando ainda mais a pressão e o estresse”.
O que contribui para um local de serviço tóxico?
Para Herrmann, a sobrecarga de tarefas e a falta de suporte adequado criam um ambiente onde os profissionais se sentem isolados e incapazes de atender às expectativas impostas. A cultura do ‘sempre conectado’ agrava ainda mais essa situação, tornando as fronteiras entre o emprego e a vida pessoal cada vez mais indistintas.
Uma pesquisa está sendo realizada pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para contabilizar a quantidade de trabalhadores que enfrentam dificuldades em desconectar-se do trabalho fora do expediente, contribuindo para o desgaste psicológico. Enquanto isso, países como Austrália e Reino Unido estão estudando leis que garantem o direito do trabalhador de ignorar comunicações da empresa após o expediente. “É fundamental que as organizações reconheçam a importância da saúde psíquica e ataquem os ofensores: altíssima demanda, posto de trabalho tóxico e recompensas desequilibradas, além de dar suporte adequado aos seus profissionais” enfatiza Ana Tomazelli.
A especialista acrescenta que só será possível reverter esses números se houver uma educação começando pelos líderes, para que a empresa reveja seus processos e se adapte. “Se o topo da hierarquia abordar essas questões de frente, as empresas não apenas melhoram o bem-estar de seus times, mas também fortalecem a resiliência e a produtividade da equipe. Pessoas doentes refletem um local doente”, declara Ana.
Qual é o papel dos líderes na promoção do bem-estar mental?
A liderança é crucial para criar um espaço de trabalho saudável, mas isso não significa que líderes precisam agir como psicólogos. Em vez disso, devem focar em aspectos como clareza de expectativas, direção da empresa e a eliminação de comportamentos inadequados. No entanto, é essencial que os líderes gerenciem sua própria saúde emocional para serem eficazes.
Empresas que investem em programas de treinamento para líderes, focados em inteligência emocional e gestão do estresse, tendem a ter melhores resultados na implementação dessas práticas. Conforme a OMS, cada US$ 1 investido em programas de saúde mental gera um retorno de US$ 4 em aumento de produtividade e redução de custos relacionados à saúde.
E se o líder também estiver esgotado?
Um estudo da Harvard Business Review revelou que mais de 70% dos novos CEOs experimentam sentimentos de solidão, e essa situação não se restringe apenas aos níveis mais altos da hierarquia. Quando líderes enfrentam esgotamento mental, sua capacidade de apoiar as equipes é prejudicada. “Nesse cenário, é fundamental que as empresas ofereçam suporte especializado para lideranças, desde o desenvolvimento de habilidades socioemocionais até o apoio nas demandas diárias. Posições de liderança carregam um alto nível de pressão e expectativas irrealistas de desempenho constante”, conclui Herrmann.
Dicas para implementar um programa de bem-estar psicológico nas empresas
1) Reconhecer a importância da saúde mental: a saúde mental é tão fundamental quanto a saúde física. Um local de serviço que prioriza o bem-estar psicológico cria condições mais favoráveis para a produtividade e o engajamento dos colaboradores.
2) Criar políticas claras e estruturadas: políticas bem definidas que integrem o equilíbrio emocional devem ser parte essencial da cultura organizacional. Elas precisam abranger desde a prevenção até o suporte em casos de crises, com um enfoque na criação de um ambiente de trabalho seguro e acolhedor.
3) Estabelecer canais de comunicação abertos e acessíveis: é fundamental facilitar a comunicação na empresa por meio de canais que permitam aos funcionários expressar suas preocupações e buscar apoio sem medo de retaliação. Isso inclui a criação de plataformas seguras para discussões confidenciais e a promoção de uma cultura onde o diálogo sobre saúde psíquica é incentivado.
4) Disponibilizar recursos e suporte adequados: recursos como programas de assistência ao empregado (EAP), treinamentos em gestão do estresse, workshops sobre resiliência, e acesso a profissionais de saúde mental devem ser facilmente acessíveis e adaptados às necessidades dos colaboradores.
5) Definir expectativas e papéis com clareza: a empresa deve garantir que cada colaborador compreenda claramente suas responsabilidades e metas. A ambiguidade pode gerar estresse desnecessário, portanto, a transparência e a comunicação regular sobre as expectativas são fundamentais para reduzir a ansiedade e melhorar o foco na função exercida.
6) Promover relacionamentos positivos e colaborativos: uma cultura de respeito, apoio mútuo e colaboração entre os colaboradores deve ser parte da empresa. Relacionamentos saudáveis são essenciais para um local que favoreça o bem-estar mental, reduzindo a incidência de conflitos e promovendo um sentimento de pertencimento.
7) Garantir clareza na direção e nos objetivos do negócio: os funcionários devem estar sempre informados sobre a direção estratégica da empresa e como seus papéis contribuem para esses objetivos. Isso não só alinha as expectativas, mas também reforça o sentido de propósito, um fator crucial para a satisfação e motivação.
8) Prevenir comportamentos inadequados e promover um ambiente seguro: é indispensável ter uma política de combate rigoroso contra qualquer tipo de assédio, discriminação ou comportamento tóxico. A criação de um espaço seguro, onde os colaboradores se sintam respeitados e valorizados, é um pilar essencial para a promoção da saúde mental.
9) Personalizar os programas de saúde psicológica para atender às necessidades específicas: ao desenvolver programas de bem-estar, é necessário considerar as particularidades da organização, como a cultura corporativa, o perfil dos funcionários e os desafios específicos enfrentados por eles. Programas genéricos muitas vezes falham em alcançar resultados significativos; a personalização é chave para a eficácia.
10) Quebrar o tabu em torno da saúde mental: a empresa deve trabalhar para desestigmatizar o tema entre seus colaboradores, promovendo campanhas de conscientização, treinamentos sobre saúde psicológica, e a criação de grupos de apoio. Incentive uma cultura de transparência e confiança, onde todos se sintam à vontade para discutir suas preocupações sem medo de julgamentos ou repercussões negativas.
Para Herrmann, “um ambiente de trabalho que prioriza o bem-estar mental de seus profissionais tende a ser mais produtivo, inovador e resiliente diante dos desafios do mercado, o que, portanto, aumenta os lucros das organizações ou, minimamente, ‘economiza’ o que a organização já está perdendo com o adoecimento das pessoas”.
Organizações que reconhecem a importância da saúde mental e investem em programas efetivos estão preparando o terreno para um futuro mais equilibrado, onde a produtividade e a saúde psicológica andam lado a lado, beneficiando tanto os indivíduos quanto a empresa como um todo.
Cinco iniciativas de baixo custo para o RH implementar e promover a saúde mental dentro das empresas
Para Renan Conde, CEO Brasil da Factorial, startup unicórnio desenvolvedora de software para gestão e centralização de processos de RH e DP, o setor desempenha um papel crucial nas empresas. “É fundamental implementar políticas inclusivas, programas de suporte aos colaboradores, criação de espaços seguros para discussão sobre saúde mental e dar visibilidade ao tema no espaço de trabalho, promovendo a conscientização sobre questões psicológicas”, comenta.
A saúde mental no ambiente de trabalho deixou de ser um tabu e se tornou uma prioridade para as organizações que desejam manter uma equipe engajada e produtiva. O Setembro Amarelo oferece uma oportunidade única para que as empresas reforcem seu compromisso com o bem-estar dos funcionários.
Já para Caroline Kazama, gerente de Gestão e Cultura da Factorial Brasil, embora as iniciativas em prol da saúde mental, como as promovidas no Setembro Amarelo, sejam essenciais, é crucial lembrar que elas serão ineficazes se a cultura organizacional não oferecer um ambiente equilibrado. “Pressão excessiva, medo constante e sobrecarga de trabalho corroem qualquer esforço voltado ao bem-estar dos colaboradores. Para que essas ações tenham impacto real, é necessário garantir que as demandas e expectativas estejam em harmonia com a capacidade produtiva e criativa dos funcionários, preservando sua saúde e potencializando resultados sustentáveis”, ressalta.
Para promover práticas organizacionais, que favoreçam um equilíbrio saudável entre trabalho e vida pessoal, a Factorial separou cinco iniciativas de Baixo Custo para o RH implementar e promover a saúde mental dentro das empresas. Confira:
- Organização de uma corrida ou caminhada de 3-5 km com o time
Promover uma atividade física em grupo, como uma corrida ou caminhada, pode ser uma ação simples e eficaz. Além de ser uma oportunidade de integração entre os colaboradores, atividades físicas são conhecidas por melhorar o bem-estar mental. Para reduzir custos, a organização pode ser feita internamente, utilizando espaços públicos e contando com a motivação e participação voluntária do time.
- Reunião para jogos e lazer
A cada 15 dias, organizar uma reunião virtual para que os colaboradores possam realizar atividades recreativas, como jogos online, videogames e outras atividades de lazer. Essa é uma maneira leve e descontraída de incentivar o relaxamento. Esses momentos ajudam a aliviar o estresse do dia a dia, sem a necessidade de grandes investimentos. “Na Factorial, realizamos um encontro de jogos de tabuleiro e cartas, onde pedimos aos colaboradores que trouxessem o que havia em casa. Foi extremamente divertido, descontraído e o RH ficou responsável pelos comes e bebes, que não passaram de snacks simples”, comenta Caroline.
- Sessões de 1:1 focadas no bem-estar
As tradicionais reuniões de 1:1 entre colaboradores e gestores podem incluir conversas focadas no bem-estar. Esse formato oferece um espaço seguro para que os funcionários possam compartilhar suas dificuldades e discutir suas necessidades em relação à saúde mental. Implementar essa prática é uma iniciativa sem custo, que pode gerar grande impacto. Para isso, é importante capacitar gestores, para que possam identificar sinais de sofrimento entre os membros de suas equipes e saber como agir de forma adequada.
- Flexibilidade e Equilíbrio
O RH pode promover políticas que incentivem o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, como horários flexíveis, home office, day-off de aniversário, offsites, happy hours, espaços de descompressão e dias de folga para cuidados pessoais. Oferecer dias de folga para que os colaboradores possam descansar e cuidar da saúde mental é uma das formas mais diretas de promover o bem-estar. A concessão de dias de descanso demonstra que a empresa valoriza a saúde de seus colaboradores, gerando um ambiente mais positivo. Além disso, a flexibilidade é um fator crucial para reduzir o estresse e melhorar a qualidade de vida dos colaboradores.
- Campanhas de conscientização e programas de apoio emocional
Durante o Setembro Amarelo, o RH pode promover palestras, workshops e atividades que abordem temas como a importância da saúde mental, os sinais de alerta e onde buscar ajuda. Essas ações são essenciais para quebrar o estigma sobre o tema e incentivar os colaboradores a falarem abertamente sobre suas experiências. Além disso, implementar ou reforçar programas de assistência psicológica, que oferecem suporte confidencial aos funcionários que enfrentam desafios emocionais também é uma estratégia eficiente. O RH deve garantir que todos os colaboradores estejam cientes desses recursos disponibilizados pela empresa e se sintam confortáveis para utilizá-los.
Mesmo com orçamentos limitados, é possível que ações efetivas em prol da saúde mental sejam implementadas pelos departamentos de RH. A adoção de soluções criativas e adaptáveis à realidade de cada organização pode contribuir para o bem-estar dos colaboradores. Essas práticas não apenas atendem a responsabilidades sociais, mas também promovem uma cultura organizacional mais saudável e produtiva. “O Setembro Amarelo é um lembrete poderoso de que a saúde mental deve ser uma prioridade constante nas empresas. O RH tem a responsabilidade de liderar essa mudança cultural e implementar ações concretas, que garantam um ambiente de trabalho saudável e acolhedor. Ao fazê-lo, as empresas não só cuidam de seus funcionários, mas também constroem um futuro mais sustentável e saudável”, finaliza Conde.
Prevenção ao burnout
Incluída desde janeiro de 2022 na 11ª Revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID-11) como uma doença do trabalho, o Burnout virou uma espécie de epidemia no Brasil. O manual da Organização Mundial da Saúde (OMS) descreve a doença como um “estresse crônico no ambiente de trabalho que não foi bem manejado”.
De acordo com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a síndrome afastou 421 brasileiros do trabalho em 2023. A título de comparação, houve um aumento de quase 20% na comparação com 2022, quando 353 pessoas receberam o auxílio-doença por causa do esgotamento.
Os números do ano passado ficam ainda mais preocupantes quando comparados a longo prazo. Em 2014, quando muito provavelmente os casos estavam subnotificados, 41 trabalhadores foram afastados das atividades, o que demonstra um aumento de 926% dos casos entre 2014 e 2023.
Brunna Adauto, que é tecnóloga em Alimentos, foi uma das brasileiras afastadas do trabalho em 2023 devido ao burnout. Ela lembra que atuava em um ambiente em que faltava uma boa estrutura hierárquica e que por causa disso vários dos projetos acabam sobrando para ela.
Além de uma autocobrança para “dar conta” de tudo, ela sofria com a falta de reconhecimento e relações tóxicas com superiores. Todos os problemas eram potencializados pelas extensas horas-extras e escala seis por um em que ela atuava, quando só folgava no domingo. “Eu só fui perceber um tempo depois, já que até me afastei de amigos e família, mas comecei a sentir todos os sintomas do burnout. Incluindo cansaço físico e mental, stress, irritabilidade, medo e um desânimo muito grande até para fazer as coisas que eu gostava. Eu me sentia derrotada e fracassada todos os dias”, relata.
Brunna diz que sua terapeuta, amigos e família foram essenciais para a sua recuperação e tratamento. Além disso, ela defende que conseguiu retomar a vida depois de sair da antiga empresa.
O doutor Marco Aurélio Bussacarini, especialista em Medicina Ocupacional pela USP e CEO fundador da Aventus Ocupacional, empresa que realiza Gestão em Saúde e Segurança Ocupacional, explica que o burnout é uma doença relacionada exclusivamente ao esgotamento no trabalho, mas que existem outros transtornos laborais. “O Burnout é uma doença psíquica bastante séria que pode ser acarretada por questões como estresse crônico, sobrecarga de trabalho, falta de reconhecimento, assédio moral/sexual e outras questões no ambiente corporativo. Tudo isso pode acabar acarretando depressão, ansiedade e Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)”, por exemplo.
Importância do debate de saúde mental no trabalho
Para aumentar a consciência principalmente de empregadores sobre como ambientes de trabalho disfuncionais causam riscos à saúde mental, o Governo Federal realizou uma importante ação.
No último mês de julho, a Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP), do Ministério do Trabalho e Emprego, atualizou o Capítulo 1.5 da Norma Regulamentadora (NR-01). A NR-01 é uma norma que estabelece diretrizes para gerenciar riscos ocupacionais em empresas que são regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Com o novo texto, pela primeira vez a NR-01 prevê a identificação de riscos psicossociais no ambiente corporativo. O objetivo da nova redação é melhorar a promoção de ambientes de trabalho seguros e saudáveis para os trabalhadores.
Bussacarini elogia a medida e considera essencial o novo tratamento a um tema tão importante como a saúde mental no ambiente corporativo. De acordo com ele, a vivência do ambiente de trabalho pode ter um papel significativo tanto na proteção quanto no detrimento da saúde mental dos empregados. “Um trabalho decente pode apoiar a saúde mental ao oferecer meios de subsistência, um sentido de propósito e realização, além de oportunidades para relacionamentos positivos e inclusão em uma comunidade”, argumenta.
O especialista cita que locais ruins de trabalho com problemas como discriminação ou desigualdade entre funcionários, sobrecarga de trabalho, insegurança em relação ao emprego e outras questões apresentam riscos de deterioração para a saúde mental. “Esses fatores podem aumentar a tensão e os conflitos no trabalho, reduzir a retenção de funcionários e afetar negativamente o desempenho”, acrescenta.
Quais ações as empresas podem tomar para prevenir problemas psíquicos?
Além da degradação integral da saúde, do esfacelamento das relações sociais, da destruição de planos e em alguns casos até a morte por causa de pensamentos suicidas, o adoecimento por questões de saúde mental traz grandes prejuízos econômicos para o País.
De acordo com pesquisa da gerência de Economia e Finanças Empresariais da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg), problemas psíquicos chegam a causar um “rombo” de R$ 282 bilhões por ano no Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil. O número representou cerca de 4,7% do PIB do país em 2022.
No mesmo levantamento, chamado de “Os Custos Econômicos dos Transtornos Mentais”, ficou constatado que as empresas chegam a ter perda de R$ 397,2 bilhões por ano em faturamento pelo adoecimento de funcionários.
Bussacarini destaca que as companhias precisam se conscientizar sobre a seriedade do problema e a importância de realizar ações de prevenção de riscos psicossociais. Ele diz que a promoção da saúde mental no ambiente executivo e um apoio concreto aos trabalhadores pode efetivamente contribuir com a melhora da qualidade de vida dos brasileiros. “Isso pode ser alcançado através de um ambiente de trabalho seguro e saudável, políticas claras de não discriminação, e suporte adequado para os funcionários enfrentarem desafios de saúde mental”, exemplifica.
O médico cita que o País tem grandes desafios no assunto, mas que nos últimos anos foram promovidas melhorias. Dentre elas estão as atualizações da NR-17, que desde 2022 atribui mais responsabilidades aos funcionários que integram a Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (CIPA).
Há dois anos, os colaboradores do grupo devem receber capacitação que proporcione conhecimento sobre as formas de adoecimento relacionadas à sua atividade. Eles devem receber e passar informações não somente sobre a saúde física, mas a saúde mental.
E em lembrança ao Setembro Amarelo, o especialista em Medicina Ocupacional ainda cita ações de prevenção que os executivos das empresas brasileiras podem adotar para combater a deterioração da saúde mental dos trabalhadores:
- Promova a conscientização sobre saúde mental por meio de workshops e seminários que abordem temas como estresse, depressão e prevenção de suicídio;
- Treine a lideranças e gestores a reconhecer sinais de alerta de saúde mental;
- Crie um ambiente de suporte desenvolvendo uma cultura organizacional que promova a abertura e aceitação de discussões sobre saúde mental;
- Ofereça acesso a serviços de saúde mental, como terapia e aconselhamento, por meio de programas de assistência ao empregado (PAE);
- Promova atividades de redução de estresse como aulas de meditação, yoga e ginástica laboral;
- Inclua em planos de resposta a crises um apoio a funcionários que possam estar passando por crises psicológicas ou emocionais;
- Crie e distribua materiais informativos sobre saúde mental como e-mails, publicações em rede sociais, pôsteres e cartazes;
- Ofereça treinamento em primeiros socorros psicológicos;
- Crie espaços seguros e de conversas em que os funcionários possam falar abertamente sobre suas lutas com a saúde mental sem julgamento ou pressão;
- Implemente ações práticas como pausas no trabalho e dias de folga para proteger a saúde mental;
- Promova e incentive um estilo de vida saudável através de desafios de bem-estar, competições de passos, seminários de nutrição e exercícios físicos.
Bussacarini ainda ressalta que “as medidas não só ajudam na prevenção de suicídios, mas também contribuem para a criação de um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo, quando os funcionários se sentem valorizados e apoiados”.
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